sábado, 15 de maio de 2010


O Outro Lado da Bola
Texto: Sérgio Turra Brum
Algumas pessoas acreditam que futebol é questão de vida ou morte. Fico muito decepcionado com essa atitude. Posso garantir que futebol é muito, muito mais importante.
Bill Shankly
Quase todos nós torcemos por algum time de futebol. Eu já fui torcedor de acompanhar todos os jogos pela imprensa, comparecendo esporadicamente aos estádios. Entretando, meu entusiasmo pelo esporte diminuiu bastante nos últimos tempos. O fato é que passaram a me chamar a atenção os efeitos funestos do fanatismo exacerbado.
É difícil identificar algum fenômeno cultural que tenha tanta adesão e que afete emocionalmente os indivíduos e as massas de forma tão incisiva. O mau humor, a euforia, a raiva, a sensação de felicidade, a vergonha e o orgulho ufanista são alguns dos sentimentos que se alternam ao extremo, durante os jogos e após eles. E esses sentimentos e emoções frequentemente resultam em atos de violência. E por que isso acontece?
Uma das chaves da resposta certamente está ligada à utilização do esporte como indutor de consumo. A quantidade de tempo dedicada aos programas esportivos de rádio e televisão é excepcional, o que não deixa dúvida sobre a sua eficácia para promover qualquer produto e, portanto, atrair patrocinadores. Problema sério surge, porém, quando consideramos a propaganda de bebidas alcoólicas (o seu programa esportivo favorito tem quantos patrocinadores da indústria de cerveja, cachaça, vodka ?), sendo possível vislumbrar imediatamente sérias consequências, pois sabe-se muito bem que uma parcela da população, ao ser incentivada a consumir tais produtos, vai muito além de algumas cervejinhas apreciadas sem maiores problemas, sendo desnecessário enumerar os danos causados pelo álcool aos indivíduos e suas famílias. E o estímulo ao consumo de álcool aliado à paixão futebolística desarrazoada enseja, creio, a maioria dos episódios insanos que ocorrem nos eventos esportivos: depredações, vandalismo, brigas e assassinatos, promovidos por grupos integrantes de torcidas organizadas ou mesmo por indivíduos sem qualquer vinculação desse tipo, motivados por discussões banais. Tornou-se corriqueira a ocorrência de um certo número de mortes em todos os clássicos e outros jogos de maior importância. Bem oportuno o artigo publicado na Zero Hora de 25 de fevereiro último, assinado pela Procuradora de Justiça Maria Regina Fay de Azambuja, criticando a propaganda de cerveja protagonizada pelo técnico Dunga.
A solução para o problema começa com a educação recebida em família: as crianças precisam ser educadas para apreciar o esporte sem elevá-lo à categoria de paixão que, mal compreendida, dá margem à irracionalidade incontrolável. Faz necessário o engajamento de todos os responsáveis e interessados pelo futebol (sociedade, governos, empresas, torcedores e clubes) na busca de formas de civilização do ato de torcer, individual e coletivo. Especialmente a mídia, os governos e os clubes não podem omitir-se, embora aí as coisas se compliquem muito, considerando as implicações financeiras. Aqui geralmente surge a defesa da liberdade das atividades privadas, bem como o enaltecimento dos benefícios que dela advêm. Fala-se também dos meninos de origem humilde que se tornaram ricos, na carreira futebolística. Entretanto, é inadmissível menosprezar princípios e valores, inclusive estabelecidos constitucionalmente, que dizem respeito ao bem comum dos cidadãos, que certamente têm prevalência sobre razões de mercado seguidamente alheias aos interesses sociais. Muito mais do que para enriquecer uma parcela ínfima da população, as quantias surreais movimentadas pelo esporte deveriam reverter, em parcela generosa, para a educação dos torcedores e a segurança nos estádios.
Assim, a frase que encabeça esta reflexão não poderia ser mais infeliz, reflexo da mentalidade que promove a mitificação do esporte, distorcendo aquilo que ele realmente é: um meio de entretenimento.

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